Mercado Único, via verde<br>da integração europeia
Na última semana, o Parlamento Europeu aprovou um relatório pronunciando-se sobre a Estratégia para o Mercado Único da Comissão Europeia. No elencar de reflexões e conjecturas, prossegue a habitual abordagem de enaltecer as suas «virtudes», logo apresentando as «limitações» deste instrumento e da imperativa necessidade do seu aprofundamento. Refere que permanecem entraves à troca livre de produtos e serviços. Fala-se em «libertar todo o seu potencial em benefício dos consumidores, dos trabalhadores e das empresas». Afirma-se necessária a articulação com outros instrumentos das políticas neoliberais da UE.
Este é um documento da classe exploradora e só serve os seus interesses. Omite as consequências para os países, em particular para os trabalhadores, de mais de 20 anos de Mercado Único. Este instrumento contribuiu para o desmantelamento dos instrumentos de regulação soberana das economias, o domínio económico, a concentração e acumulação de capital monopolista, a desregulação das relações comerciais. Promoveu a elisão e evasão fiscais e a transferência de lucros para paraísos fiscais, alicerçado na livre circulação de capitais, um dos seus pilares. Impuseram-se as privatizações e a liberalização de sectores estratégicos – como a energia, as comunicações ou os transportes, com a evidente degradação de serviços e aumento de preços. Contribuiu para a divergência e aumento das assimetrias de desenvolvimento dos estados-membros e eclipsou conceitos da propaganda da UE como a coesão, a convergência, a cooperação ou a solidariedade.
Mas não chega. O grande capital monopolista quer mais e é explícito o objectivo de aprofundamento da integração do mercado único e de contribuir para reformas estruturais, leia-se, a liquidação das funções sociais do estado e de direitos laborais.
Propõe a articulação com o chamado Plano Juncker, um plano que serve os interesses da alta finança e das grandes multinacionais, injectando dinheiros públicos no sistema financeiro, e que privilegia as parcerias público-privadas, que em Portugal têm tido consequências ruinosas para o País.
Propõe a articulação com o TTIP, que a ser ratificado, liquidará milhares de PME e aprofundará o ataque aos direitos laborais e sociais dos trabalhadores.
Passando um pano sobre o passado recente, valoriza os capitais de risco e a criação de produtos financeiros como os securities, elementos que foram determinantes para a crise económica de 2008. Jamais a ideia da reforma do sistema bancário, com a separação da banca de investimentos da banca comercial e o controlo público da banca, garantindo uma resposta eficaz às necessidades de desenvolvimento do país, como o PCP defende.
Em seu nome e da dita competitividade, promoveu-se o ataque aos direitos dos
trabalhadores, a desregulação laboral, o ataque à contratação colectiva, a precarização do trabalho e a desvalorização salarial. Destruíram-se ou contrariaram-se políticas fiscais mais justas e redistributivas. Aumentaram as desigualdades sociais, a pobreza e o fosso entre ricos e pobres.
Aliás, é revelador como o «risco» de que a possível revisão da directiva de destacamento de trabalhadores1 pudesse aproximar-se ao conceito de trabalho igual para salário igual no mesmo local, tenha sido bloqueada por alguns países, sob o argumento de que comprometeria o Mercado Único. Uma demonstração de como este instrumento tem servido para nivelar por baixo as condições de vida e de trabalho na UE, aumentando a exploração, as desigualdades, a exclusão e a pobreza.
Sendo evidente que não seria possível introduzir melhorias ao relatório que alterassem o seu sentido geral, os deputados do PCP optaram pela apresentação de uma opinião minoritária, que fica, para descontento dos seus autores e promotores, apensa ao relatório, denunciando que os objectivos capitalistas de ainda maior aprofundamento de concentração da riqueza nas grandes potências e grupos económicos, torna norma a desregulamentação, a liberalização e a exploração nas economias dos estados-membros, impondo um modelo socioeconómico único aos povos e trabalhadores contrário aos seus interesses, direitos e legítimas aspirações.
A resolução foi aprovada com os votos da direita e da social-democracia, onde se integram os deputados portugueses de PS, PSD e CDS.
1 Um trabalhador destacado é aquele que é enviado por uma empresa para trabalhar noutro país, uma realidade que a realidade comprova, e o PCP tem-no denunciado, cria inúmeras situações de exploração extrema por vezes de quase escravatura.